23 janeiro, 2015

Extração

Escrever é uma panaceia expectorante, que trata da melancolia à dúvida, do ódio ao vazio. Uma terapia debilitante, esse analgésico amargo só anestesia por nos entreter com outra dor. Talvez por isso seja só considerado nos casos mais graves, como última medida. E, pela demora na aplicação, o paliativo tardio mal combate os sintomas, sem curar a moléstia original sem controle.

Escrever é uma extração de si mesmo, lapidar da língua os termos precisos, uma remoção da vida que se oferecia à contemplação e agora não pode mais ser ignorada, destacada pelas palavras. Os golpes da ferramenta da fala no veio da vida desgastam também quem pretende demarcar os sentidos procurados. Algo sempre se perde: o fio da navalha, o resto do minério; mais se encontra, entretanto.

Cada batida ritmada, uma só palavra, um só gesto: escrever é escrever sobre escrever.

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