Mudo
Falei sobre silêncio e solidão ontem e, no café, quatro surdos-mudos conversavam alegremente enquanto eu lia sozinho. Só se ouvia o virar das páginas e o sorver café.
Talvez, se eu fosse totalmente surdo-mudo (e não só parcialmente, como já o sou), a complicação de tudo o mais que é corriqueiro e simples tornasse mais fáceis algumas coisas impossíveis.
Eu teria um grupo, por exemplo, e meus amigos sempre teriam que sair juntos – talvez alguma delas até aceitasse compartilhar meu silêncio e quisesse dividir essas noites que tenho livres. Ao menos minha auto-piedade teria justificativas mais plausíveis: eu teria um rótulo, uma justificativa, uma explicação, uma expiação, um alvo para minha revolta. As pessoas iam olhar para mim e entender, “coitado, é desse jeito porque não consegue falar com ninguém” – e ninguém ia ousar exigir que eu mudasse.
E o silêncio, agora insuportável, seria aceitável ante a total falta de alternativa.
Mas cada lento compasso do relógio em silêncio continua a gritar todas as notas que estão lhe faltando.
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