Perdas e perdões
“Não se preocupe, é uma virose que está rodando com o inverno”, disse o doutor enquanto recomendava repouso e o colocava sob observação.
A infecção generalizada, no segundo dia, parecia uma garantia de bastante repouso em poucas horas. Sob os olhares úmidos dos filhos, e protestos da equipe da UTI, removeram por poucos minutos o tubo que garantia a respiração.
As palavras foram poucas, mas o também rarefeito ar a cada tosse alongou a confissão: aquilo tinha acontecido há muito tempo, mas não há tempo suficiente para esquecer-se. Sob suplícios moribundos, só os lábios da esposa cederam o perdão, enquanto os filhos calavam, decepcionados pelo fim não ter chegado a tempo de poupar a desgastante revelação.
No terceiro dia veio a alta do hospital, acompanhado das congratulações e da surpresa da equipe que cuidou do caso. Mas os médicos só estavam felizes pela recuperação do paciente porque não ouviram sua história – ou talvez só estivessem aliviados por não ter que enfrentar mais um processo duplo por erro de diagnóstico.
Ninguém apareceu para buscá-lo na porta do hospital – nem esposa, nem filhos, nem perdão – só o taxista, que agradeceu a gorjeta depois de deixá-lo no meio da ponte entre a zona sul e o fim.
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