09 fevereiro, 2009

Piloto passageiro

Os olhos arenosos mesclam a estrada, o horizonte e o começo do sonho num piscar sem retorno à lucidez. Relaxadas, as mãos escorregam pelo volante, saindo da posição 10:10 e voltando o tempo para 9:15, 8:20 – às 7:25, esbarram na perna que começa a pesar no acelerador. O som da chuva começa a se distanciar, assim como o rádio; só resta o hipnótico mantra pendular do limpador de pára-brisa.
Sonha que voa acima das nuvens que ainda chovem; a leve turbulência seria um sinal de que as rodas engasgam nos olhos de gato ao cruzar as faixas. O resto da sua consciência racionaliza que, se o carro pender à direita, restaria ainda duas faixas; se for para a esquerda, a perna sobre o acelerador deve garantir velocidade suficiente para uma capotagem no canteiro central.
Do seu sonho, olhando para baixo, pode ver um carro que se aproxima pela faixa do meio e deve, a qualquer momento, buzinar para despertá-lo e ancorá-lo de novo ao solo e a pista – até torce por uma colisão menor com esse carro, um pára-choque amassado em troca da garantia de um despertar.
A curva insinuava-se na neblina quando uma grande nuvem cinza cobriu os carros e engoliu todo o mundo do sonhador, que voa cada vez mais para o alto e não vê mais nada.
Esse descontrole desesperador e silencioso é o que eu (e talvez você também, há ainda mais tempo) tenho vivido nos últimos três anos da minha vida.

Um comentário:

Oito disse...

Depois de um ano (sem muitos posts mas com muitos temas para digerir), reabro os comentários. Peço desculpas para quem queria ler mais frequentemente e repercutir aqui. Mas eu não ia aguentar o diálogo no ano passado: precisava só desafogar. Curada a ferida, reabrimos as negociações multilaterais!