Um dia como hoje
Há algo de preocupante em precisar recorrer a um calendário, ao relógio ou ao colega ao lado para descobrir que dia é hoje. Não conseguimos reconhecê-lo?
Seu colega ao lado, que sabe que dia é (mas não qual será o seu dia), não pode te explicar por que você não sabe – ignorância não se explica, tampouco nos alivia.
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É triste ter que enumerar para individualizar os dias, eles acabam somente enfileirando-se ao infinito, do um ao trinta, ou trinta e um, ou menos; e voltando ao um, acrescentando mais um mês, um ano – uma engrenagem menor que move outra maior, mais um grão de areia na parte de baixo da ampulheta, igual a todos os outros que ainda restam em cima.
Se os dias não fossem tão confusos e iguais (como nós), saberíamos quem são (e quando seria o nosso dia), ou eles continuariam a dissolver-se em multidões não mais padronizáveis, mas caóticas? Reconheceríamos, ciclopicamente, ao menos o último, antes que tivesse passado e levado tudo?
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Dizer que hoje é terça não é uma resposta – o que é uma terça, afinal?
É só uma etiqueta: assim como um crachá oculta o psicopata atrás do terno e gravata da normalidade, não conseguimos prever, de longe, quais são as verdadeiras intenções por trás desse nascer do sol dissimulado ou dessa garoa que impede a alvorada de respirar.
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